Pela porta da frente
Texto de Paulo Pasta sobre o Grupo 2000e8
Que a arte precisa de um meio para poder formar-se e desenvolver-se é algo com que todos concordamos. Esse fato, aliado ao momento da juventude, o mais propício à formação de grupos coesos, talvez explique a união desses jovens artistas.
Não formam um grupo, no sentido de possuírem objetivos previamente traçados, mas amigos e interlocutores buscando afinidades e afinando as diferenças. Em comum, a pintura como vocação e o interesse em atualizar a produção e o debate em torno dela.
O que os motiva, principalmente, nesse movimento, é o aprofundamento da voz particular,- ou seja-, daquilo que irá diferenciar uns dos outros. Para que isso ocorra, procuram valorizar justamente a multiplicidade de tendências. Nesse sentido, obedecem à prática democrática da conversa e da discussão, o que faz gerar, no interior do grupo,um renovado estado de tensão produtiva.
Se a pintura vive uma crise, -como querem alguns críticos e artistas-, esses pintores parecem não querer se furtar a ela. A arma para enfrentá-la é uma disponibilidade produtiva e uma vontade de entender, pela história, as razões desse fato. (O novo não surgiria justamente também dessa equação?). Talvez por isso, percebo-os desconfiados das seduções fáceis da cena contemporânea, o que se manifesta em seu destemor em atualizar as modalidades empregadas ao longo da tradição pictórica, como retratos, naturezas mortas, paisagens, pintura de gênero (como também o entendimento da abstração e o advento da fotografia ). Tal atitude, parece-me, os livra, -para além do lugar ético que as sua posturas requerem-, de se verem tornados em meros epígonos de movimentos anteriores.
O que isso me sugere, é que esses jovens pintores estão entrando na arte pela porta da frente. Conheço-os já há algum tempo e posso dar testemunho do talento e da seriedade de seus trabalhos, (o que essa exposição também poderá atestar). Segundo eles, o objetivo da mostra é produzir uma conversa sobre as novas possibilidades da pintura, ou de sua reinvenção. Convivendo também já há algum tempo com o meio da arte, sei que não é a qualquer hora que vemos artistas se proporem a tarefas tão exemplares como essas. De minha parte, ao ver que suas pinturas já apontam para essa direção, é claro que torço muito por todos eles.
BRUNO DUNLEY
Como alcançar o necessário e descartar o supérfluo? Como fazer a cor encontrar o seu lugar na tela? Como encontrar ao mesmo tempo uma atmosfera e uma fisicalidade? Penso que a imanência que o trabalho pode ter é derivada da matéria - tinta depositada em sua superfície e a transcendência que desejo encontra um longo caminho pela cor. Quero cores que desapareçam e mantenham a sua presença ao mesmo tempo. Que em sua aparência haja algo de apagamento, como se algo estivesse se desfazendo. É com frequência uma tentativa de tornar visível algo que ainda não está e tirar força desse desajuste que possui com o mundo. É uma vontade de colocar o trabalho em uma certa tranquilidade.
MARCOS BRIAS
Minhas pinturas tentam anular e classificar os procedimentos da própria pintura, "catalogando" pinceladas, expondo a máscara e incorporando a mesma como matéria pictórica, assumindo a figuração e ao mesmo tempo ignorando a área a ser "preenchida", resistindo ao pictórico, imitando a fita crepe com a tinta. É uma pintura que parece não se configurar, nunca parece pronta. As "coisas" na pintura parecem negar uma a outra, a pincelada abstrata nega o desenho/estudo figurativo, uma pintura que nunca se dá por terminada.
MARINA RHEINGANTZ
O meu trabalho fica entre. Entre o abstrato e o figurativo, entre o orgânico e o geométrico. Entre o desenho e a cor. Entre o grande e o pequeno. Entre os tons apagados e os acesos. Entre a mancha e a forma. Entre o gestual e o não gestual. Entre o frio e o quente. Entre o claro e o escuro. Entre a paisagem urbana e a paisagem rural. Entre o módulo e o único. Entre o desenho e a pintura. Entre.
REGINA PARRA
A pintura a partir de imagens fotográficas não é um recuo ou uma fuga diante da fotografia, mas um passo além, uma possibilidade de preencher espaços e chegar a lugares que a fotografia não chega. O que me interessa na imagem fotográfica é o seu vínculo com a realidade, sua concretude. E, embora seja uma imagem aparentemente objetiva, é repleta de lacunas e silêncios. E é justamente nesse espaço (permeável à invenção) que surge a pintura. Tirando proveito daquilo que falta, a pintura sugere aquilo que não era visto na foto.Explorar as lacunas da imagem fotográfica põe em evidência a incerteza, a ambiguidade - campos que me interessam nesta pesquisa. O que busco em minhas pinturas são situações em que as coisas não estão claras e não se pode decidir entre isso ou aquilo. Situações transitórias, híbridas. Esse hibridismo aparece tanto na técnica quanto na temática. Será fotografia ou pintura? As mulheres retratadas gritam por prazer ou por dor? São nuvens no céu ou destroços de uma explosão?
RENATA DE BONIS
A pintura é um ato que considero ser quase incontrolável. Ela pede ações, retrocessos, mudanças. Não consigo descrever o momento que as mudanças acontecem, nem mesmo definir como se dá a evolução do pintor e seu trabalho.
A pintura tem tempo próprio. É isso que me interessa nela, é isso que me fascina.
A reflexão e o silêncio. A pintura é feita de escolhas, seu processo é feito de dúvidas.
A escolha do tema da minha pintura está vinculada `a minha fascinação por esse respiro silencioso que a pintura necessita.
Para mim, o olhar voltado `a paisagem se torna um momento de reflexão, um momento de afinar os sentidos e aguçar a percepção `as pequenas diferenças que vão ocorrendo devido a passagem do tempo e a mudança de clima. O vento me chama a atenção para alguma copa de árvore, e a luz que escapa entre as folhagens; a neblina que cobre a vista e transforma as diferenças tonais. Novas associações são criadas a partir do momento que meu olhar se concentra em cenas aparentemente patéticas, mas que acabam formando todo o processo da minha pintura.
O momento que me dirijo ao atelie é o momento que tento concretizar essas sensações, tento fazer com que elas não sejam efêmeras e se materializem na pintura, em composições, formas cores e matéria. A tinta óleo torna isso possível quando a utilizo sobre o papel, material mais intimista e delicado.
Por ser um terreno sempre desconhecido, repleto de de mistérios, pintar é um ato instigante, envolto de ansiedade e nervosismo, e considero essas as razões para que eu continue pintando, e os motivos para que esse fazer nunca se torne tedioso.
RODOLPHO PARIGI
RODRIGO BIVAR
Acredito no que dizia Giacometti; era preciso fazer uma pessoa, mas além disso, era preciso fazer uma tela. Ou quando Cézanne dizia para seus modelos, "seja um objeto". As figuras, na minha pintura, podem ser também objetos.
Os trabalhos mais recentes possuem um certo estranhamento, determinado pelo ângulo em que as figuras se encontram. Então, o que pinto e, principalmente, a forma como pinto, tem que acompanhar esse estranhamento.
Tudo o que acontece na tela tem o mesmo valor: a perna que se assemelha ao tronco de uma árvore, ou o brinquedo que é tratado da mesma forma que o braço da criança. Não há hierarquia ou predileção por algum ponto de vista especial em meu trabalho.